Consciência democrática

Logo tú que outrora foste tão falante, por que andas tão calada ultimamente?

Foto 1: Geonhee Lee

Faz tempo que tenho sentido enorme dificuldade para expressar o que penso, o que sinto e até mesmo para tomar minhas próprias decisões. 

Mais do que ninguém, você me conhece a fundo. Sabe que gosto de ouvir a todos antes de extrair das situações que me chegam uma conclusão lógica,  plausível, consistente e, assim, agir. Não tenho um partido, sou a voz do consenso entre aqueles que discutem planos, medidas e o futuro pensando no bem-estar comum. 

Contudo, não sei o que há comigo, não ouço mais o contraditório em lugar nenhum, mesmo nos ambientes de covivência mais chegados. 

Na sala principal da casa de minha querida irmã, Justiça, por exemplo, não há mais cadeiras ao redor daquela tradicional e célebre mesa oval de acácia, há tão somente uma cadeira, um computador e um martelo no meio, bem pesado.

No Palácio, onde um dia habitaram gestores dos bens públicos, patrimônio meu, lugar repleto de funcionários e conselheiros, não se ouve mais aquele nobre falatório de costume, com orientações técnicas e ações equilibradas. No lugar restou mimos e bajulação ao novo morador, que ocupou o lugar repentinamente por uma tal lei de “expropriação social de egressos”. Um dos muitos problemas dessa lei de justica social forçada é que trouxe ao Palácio um governo “pródigo inimputável”,  que além de gastar tudo sem a mínima contrapartida, está acima da lei, portanto, não pode ser responsabilizado.  Ele ainda parece estar um tanto confuso em suas ideias, em seus diacursos e decisões: pois vem tratando realidade por conspiração e delírios e maldades por bem.

Sabe, contigo não tenho segredos. Essas coisas vêm me entristecendo de tal maneira que tenho ficado deprimida, sem vontade de falar. 

Não é tudo. Esse movimento revolucionário de fala monopolista e distribuiçâo de emendas esteve rondando a minha residência oficial por duas vezes este ano. 

Em maio, entraram no salão principal lá de casa. Em uma das mãos tinham uma pauta chamada “Pl da fake news”, mais tecnicamente conhecida por PL da censura. Na outra mão tinham bilhões a oferecer para quem quisesse apoiar o “esbulho possessório” em meu lar. Ali foi apenas uma tentativa frustrada de “invasão e reforma agrária” para “comprar” almas e canetas que iriam me calar por completo. Afinal, na sociedade atual, a democracia direta está nas milhões e múltiplas vozes ativas e livres na internet. 

Daquela vez, consegui escapar. 

Foto 2: Robin Schreiner

A gota d’água e o tiro de misericórdia vieram em julho deste ano. Novamente entraram abruptamente em minha casa sem dar muitas explicações e puseram em votação, sem direito a uma análise depurada, a chamada reforma fiscal, que mais parece uma dissolução do pacto federativo nacional, garantia constitucional e elemento fundante do Estado Democrático de Direito.

Não pude me conter, entrei em prantos quando percebi a mesma metodologia ardilosa se repetir: numa das mãos havia um papel espiritualmente já assinado e na outra “garra” mais de 7 bilhões a distribuir. 

Desta vez, a invasão foi bem sucedida. Tomaram lugar em minha casa, assumiram o governo de lá e me expulsaram.

Agora, sem teto para chamar de meu, entendes porque ando tão cabisbaixa e calada.

Não é que queira me calar. Tú me conheces mais que eu mesma e sabes que adoro uma boa conversa e uma saudável discussão. 

Não falo porque ao arrancarem de minha casa o contraditório com o preço de bilhões, expulsaram-me de lá, desprezaram os votos do povo e, por fim, retiraram minhas cordas vocais. 

Sem elas, tenho apenas desabafar contigo, minha íntima e fiel consciência. 

T. Assinger.

Foto 3: Fabrice Villard

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