Claro, fiquei curioso e entusiasmado com uma oferta tão suntuosa e sedutora.
Lancei-me sem temores nessa aventura. Era uma aventura marítima, pois começaria a desbravar mares digitais dos seis continentes. Eu via a possibilidade como promissora e acreditava que minha embarcação estava pronta para conquistar tudo que pudesse e conseguisse ao longo de oceanos longínquos. Maravilhei-me quando comecei a atracar meu navio cruzeiro em ilhas paradisíacas no instante de um clique. Tudo me parecia um sonho, a realização dos meus desejos mais íntimos e improváveis.
Passava horas a fio por dia em frente ao meu computador, notebook ou tablet, visitando os arquipélagos mais incríveis.
Com o tempo, percebi que algo me faltava para ser completamente feliz. O que seria? Geralmente quando estava em estado de maior êxtase em minhas navegações surreais, sem sair do lugar, era obrigado a atracar em um porto qualquer, ora para ir ao banheiro, ora para comer, dirigir, ir ao banco, encontrar alguém, conversar, visitar parentes ou amigos, dentre outros compromissos inevitáveis da vida.
Essa foi uma época em que achei ter descoberto minha íntima vocação. "Só podia ser uma pessoa de grandes conexões, pensava à época, um navegador digital nato, pois só me sentia pleno, realizado, quando estava embarcado desbravando os mais diversos oceanos da rede mundial de mares. Noutros momentos, nos quais precisava encostar meu barco nos decks da vida real, um tédio insuportável e uma angústia profunda tomavam conta de mim, a ponto de quase me afogar.
Oscilando entre euforias e disforias, entre baratos e síndromes de abstinência, ouvi falar de uma espécie de pílula mágica que doutores e autoridades científicas contemporâneas estavam receitando e que aplacaria o mal-estar, o vazio existencial que constantemente sentia. Corri desesperadamente para a farmácia que comercializava este milagroso remédio para alma.
Ao chegar lá, cansado e esbaforido, supliquei imediatamente: “dê-me por misericórdia essa pílula mágica, preciso dela, dou qualquer preço, ainda que precise viver só para pagá-la. Prontamente, entregaram-me uma caixa em que estava escrito “maça”. Fiquei extremamente irritado e reclamei com o atendente: “não quero uma fruta, terei que mastigar, quero uma pílula simples de engolir.” O atendente, então, com toda calma me falou numa espécie de sussurro hipnótico: “não é uma maça qualquer, ela é mágica. Abra, apenas abra a caixa e desfrute o seu sabor único indescritível, insaciável.
Fiz isso! Ao abrir a caixa, não precisei morder, nem mesmo engolir, apenas ligar e olhar fixamente para uma tela viva e brilhante, do tamanho de minhas mãos, pela qual me apaixonei perdidamente. Não queria saber de outra coisa. Fui dos mares às nuvens em questão de instantes (milésimos de segundo para ser mais exato). A magia era que ela estava comigo onde quer que meus pés me levassem, bem como tudo, simplesmente tudo estava dentro dela. O mundo finalmente estava diante dos meus olhos, sem interrupções.
Meu telefone estava ali, meu banco estava ali, minhas fotos, minhas experiências, minha música, meu lazer e entretenimento, até meu trabalho, amigos e familiares ali estavam. O que mais eu poderia querer?
Então, fiz o que tinha que ser feito: naveguei, naveguei e naveguei, sem parar. Nem mesmo as ilhas paradisíacas que outrora me interessavam, as quais visitava, me satisfaziam mais.
Com o tempo, mais do que em minhas primeiras navegações, a tristeza, a ansiedade e a angústia vieram cobrar-me o alto preço que me arrisquei pagar quando iniciei minha jornada virtual. Numa noite, fria e sombria, meu bote colidiu e encalhou em um enorme iceberg. Com o impacto da colisão, toda conexão elétrica e digital se rompeu. Restou-me a escuridão. A tela antes viva e brilhante se apagou e dentro de mim não havia mais luz.
Na solidão escura, pus-me novamente a pensar, a refletir. Tinha tempo que não fazia isso! Então, com profunda dor e arrependimento, percebi algumas coisas:
O iceberg era eu. Havia me tornado um grande bloco de gelo flutuante, à deriva. Colidi comigo mesmo;
Não nasci para conexões digitais, como o conformismo social havia me feito achar, mas para relações e encontros reais;
Estava tão distraído, obcecado com avanços, conquistas e facilidades, que escutei prometerem-me o mundo através de uma tela. Estivesse eu atento, com os pés no chão e o coração sensível para com a verdade e com o bem da minha própria vida e da vida humana ao meu redor, teria notado que sutilmente estavam a me prometer apenas uma tela para através dos meus olhos fixos nela meu mundo aprisionar.
Vendedores de sonhos continuam a divulgar suas recentes engenhocas, geringonças, protótipos, cheios de promessas para facilitar a vida e para imitar groseiramete humanidades. Estão definitivamente aí, têm apelido, nome próprio, identificação civil e até cidadania: IA e Sophia.
Desta vez, quando baterem à minha porta com seus sussurros que adormecem a alma e brutalizam a vida, criando humanoides, risonhos por fora e carentes por dentro, fecharei os olhos para ver melhor.
T. Assinger.
Música Bella Toscana (Wayne Jones e Amy Hayashi-Jones) Ouça e leia numa experiência única. Boa viagem!
Parabéns irmão pelo texto! Uma excelente reflexão pra todos, especialmente a garotada que já nasceu com o dedo nas telas brilhosas e frias dos celulares!
Caro irmão, Tiago Marinho. Saudades!
Muito obrigado pela sua atenção ao texto. Sim, para todos nós, sem exceções. Não é fácil para ninguém ouvir esse conteúdo e mais difícil ainda é absorver dele para modificar comportamentos e formas de vida. Precisamos modificar urgentemente o modo irrefletido pelo qual estamos incorporando em nossas vidas as novas tecnologias de rede e inteligências. Como você falou, “as novas gerações que nasceram com os dedos nas telas de smartphones” estão sendo tragadas sem piedade pela droga mais letal do século XXI. Por negligência dos pais (nós, que nos tornamos dependentes), as crianças estão entregues, à mercê, estão imersas numa ilusão digital, antes mesmo de conhecerem minimamente a vida real e natural que lhes é devida. O imenso avanço das doenças psíquicas e existenciais relacionadas para crianças, jovens e adultos está evidente, mas continuamos fazendo o mesmo, porque não queremos abrir mão de interesses e facilidades tecnológicas. Não adianta não dar celulares para crianças se os pais estão usando a todo tempo os seus celulares ao lado delas. As crianças desenvolvem-se aprendendo por imitação os hábitos dos adultos que lhes são referência afetiva. Proibir celular para crianças, mas usá-los compulsivamente perto delas é como obrigar diariamente a criança a se alimentar de brócolis, couve, salada, mas comer todo dia do seu lado hambúrguer, pizza, sorvete etc. Ora, esse comportamento habitual dos adultos de hoje é a receita para o insucesso.
Você também faz um trabalho de reflexão muito interessante e importante. Coisa cada vez mais difícil de ver. Parabéns, Tiago.
Vamos juntos.
Abraço e fica na paz, meu amigo e irmão.
Thiago.
Parabéns irmão pelo texto! Uma excelente reflexão pra todos, especialmente a garotada que já nasceu com o dedo nas telas brilhosas e frias dos celulares!
Caro irmão, Tiago Marinho. Saudades!
Muito obrigado pela sua atenção ao texto. Sim, para todos nós, sem exceções. Não é fácil para ninguém ouvir esse conteúdo e mais difícil ainda é absorver dele para modificar comportamentos e formas de vida. Precisamos modificar urgentemente o modo irrefletido pelo qual estamos incorporando em nossas vidas as novas tecnologias de rede e inteligências. Como você falou, “as novas gerações que nasceram com os dedos nas telas de smartphones” estão sendo tragadas sem piedade pela droga mais letal do século XXI. Por negligência dos pais (nós, que nos tornamos dependentes), as crianças estão entregues, à mercê, estão imersas numa ilusão digital, antes mesmo de conhecerem minimamente a vida real e natural que lhes é devida. O imenso avanço das doenças psíquicas e existenciais relacionadas para crianças, jovens e adultos está evidente, mas continuamos fazendo o mesmo, porque não queremos abrir mão de interesses e facilidades tecnológicas. Não adianta não dar celulares para crianças se os pais estão usando a todo tempo os seus celulares ao lado delas. As crianças desenvolvem-se aprendendo por imitação os hábitos dos adultos que lhes são referência afetiva. Proibir celular para crianças, mas usá-los compulsivamente perto delas é como obrigar diariamente a criança a se alimentar de brócolis, couve, salada, mas comer todo dia do seu lado hambúrguer, pizza, sorvete etc. Ora, esse comportamento habitual dos adultos de hoje é a receita para o insucesso.
Você também faz um trabalho de reflexão muito interessante e importante. Coisa cada vez mais difícil de ver. Parabéns, Tiago.
Vamos juntos.
Abraço e fica na paz, meu amigo e irmão.
Thiago.