Arremesso de ouro

A sabedoria bíblica fornece-nos ricas e fundamentais lições a serem aplicadas no dia a dia para que sejamos mais bem-sucedidos em nossos dignos propósitos e ações. Uma delas é a que está estampada na primeira parte do livro de Provérbios, Capítulo 25, versículo 11, que salienta: “Como maçã de ouro em salva de prata, assim é a palavra dita a seu tempo”.

Todo cristão praticante (aquele que, mesmo cheio de imperfeições e falhas, tem como alicerce existencial a prática da oração, da leitura das sagradas escrituras e que escolhe viver segundo as orientações bíblicas) reconhece, no cotidiano, a autoridade da palavra de Deus, bem como sua indescritível e milagrosa adaptação e eficiência na vida pessoal de cada homem comum. 

Eu mesmo carrego comigo a lembrança de um pedido que fiz em 2009 para obtenção de recursos financeiros necessários ao custeio de um curso que pretendia fazer na área de dependência química, promovido pela instituição cristã chamada Cruz Azul no Brasil. Era uma formação que se revelava importante e pertinente, segundo minha comunhão com Deus no momento.  Parecia-me uma solicitação difícil de ser atendida. À época, no entanto, inúmeras situações coincidentes, inusitadas e espontâneas aconteceram, favorecendo a liberação dos recursos sem maiores problemas.

Quando recebi a notícia positiva de que teria o investimento para a realização do curso pretendido, veio-me à mente o quanto uma palavra (ou pedido, no meu caso) empregada no momento oportuno ou certo funciona como uma oferta preciosa e irrecusável, exatamente como se dá na menção bíblica apontada acima. A “maçã de ouro”, simbolizando uma oferta valiosa (sabor e riqueza), torna-se irresistível quando oferecida em “salva de prata”, ou seja, no tempo certo.

Notemos que a sabedoria espiritual proposta é sutil e profunda, pois vem revelar que mesmo algo muito precioso e apetecível, como uma “maça de ouro”, necessita de um tempo e de um modo certo para ser oferecido, caso contrário pode ser recusado.

Foi o que aconteceu na opção feita por notável Colégio, localizado na Tijuca, Rio de Janeiro. Em comemoração ao dia das mães, em 10 e 11 de maio de 2025, os professores organizadores da festividade resolveram preparar uma encenação junto com os alunos envolvendo uma abordagem crítica ao modo como as mulheres contemporâneas, mães, têm se portado diante da criação dos filhos e do cuidado com a família, dando prioridade aos aspectos individuais, como o desenvolvimento da carreira profissional e os cuidados pesssoais com a estética ou a aparência.

Em síntese, na encenação proposta a criança perde a atenção da mãe para o trabalho (representado pelo notebook) e para atividades físicas (representada pelo peso de academia que é erguido e abaixado).

 Numa das cenas a criança suplica a atenção da mãe, mas não obtém sucesso, pois o olhar dela está fixo no trabalho (notebook) ou disperso em meio a exercícios físicos.

Outras encenações duras e pesadas aconteceram durante a apresentação em “comemoração” ao dia das mães, como a parte em que as crianças participantes envergaram placas nas costas com dizeres “tristeza” e “depressão”.

Quando fiquei sabendo do ocorrido, imaginei logo a cena de terror que deve ter sido para mães, pais e familiares, que durante essa época do ano, como é natural, esperam e nutrem a expectativa de verem seus filhos felizes junto aos colegas da escola encenarem uma peça ou uma dança delicada e amorosamente coreografada em homenagem às mães nesse grande dia. Desde os ensaios até o dia especial, quando todos se arrumam, se perfumam e saem felizes para o evento, a simbologia do momento vai se criando e, por derradeiro, termina por pedir um ambiente de harmonia, alegria, amor e comunhão. Esse é o dia “M” para todas as mães.

Definitivamente, não é assim que se leva uma mensagem de amor, muito menos para uma mãe em data tão especial.

A escola, com essa ideia inadequada, pagou o mau inconsciente que pretendia criticar com um mau ainda maior, pois consciente e com ares evidentes de nsensatez e insensibilidade. 1) primeiro, porque serviu-se do elemento surpresa, o inesperado, para criticar severa e ostensivamente um modo de vida que poderia ser o de muitas famílias ali presentes, o que certamente causaria desconforto e tristeza, como realmente aconteceu; 2) segundo, porque usou as próprias crianças (alunos e filhos) para realizar a encenação de mal gosto. Isso não se faz; 3) terceiro, porque escolheu o próprio dia das mães, um dia de comemoração e alegria, para empregar a árdua crítica pretendida; 4) por último, porque se as mães e os pais atuais, de maneira geral, estão agindo de um modo individualista e negligente para com seus próprios filhos, e a escola vem percebendo a situação, certamente fazem isso inconscientemente, motivados pela formação de vida que tiveram e pela concepção de família que receberam como legado dos tempos atuais. Ao notar o problema, a escola deveria ter tomado mais cuidado e tido mais sensibilidade para entender que comportamentos inconscientes (ou não intencionais), necessitam de uma abordagem específica e diferenciada, a ser aplicada em momento oportuno e de modo devido, a fim de gerar possibilidade de reflexão para um “despertar”, o que se distancia muito do que foi feito, uma abordagem com vistas a “impactar”, que previsivelmente tenderia a causar repulsa e indignação, no lugar de reflexão.  

 Ora, noções de sensibilidade e de prudência de lado, em recorte estrito, o assunto abordado na festa do dia das mães pelo respeitável Colégio é dos mais relevantes de nosso tempo. Uma reflexão que se mostra urgente, caso queiramos modificar visões de mundo e práticas cotidianas nocivas às relações maternas, paternas e familiares em geral, com o fim de retomar estilos de vida mais simples, naturais, íntegros, sensíveis e atentos para o bem espiritual e mental de nossas famílias.

Todos os dias, nos espaços públicos (parques, clubes, transportes coletivos, hospitais, consultórios, restaurantes, padarias, festas etc.), bem como nos espaços privados, como o próprio lar e a casa de parentes, o que mais se vê são adultos compulsivamente aprisionados em celulares, redes sociais e hiperfocados em compromissos profissionais, tendo ao lado de si mesmos  filhos e filhas “invisíveis” e “abandonados” à sorte: ora da escola, ora de babás ou cuidadores, ora de redes de apoio diversas, ora de celulares, o que infelizmente acontece cada vez mais cedo.

A vida moderna que construímos, para a qual fomos compulsoriamente empurrados (considerando a necessidade de subsistência), pela qual fomos formados, terminou por sugar e reduzir nossos sonhos e ideais à valorização e à busca incessante da vida individual e profissional construída fora de casa, em clara oposição e desvalorização do cotidiano doméstico, seja em relação ao cônjuge, seja em relação às crianças ou aos próprios afazeres inerentes ao lar.

Esse modo familiar que assumimos atualmente “lega” aos nossos filhos migalhas de pão, quando não um vazio, uma escuridão, um abandono paternal e maternal sem precedentes na história. Com o imenso conhecimento que temos hoje sobre família e filhos, sobre o que é bom e ruim, adequado e inadequado para eles, é inusitado que tenhamos sido levados pelo curso social a voluntariamente deixarmos de ser pais e mães realmente PRESENTES, passando a meros administradores do cotidiano de nossos filhos. Somos aqueles que tudo organizam, mas não estão ali pertinho deles, como evidentemente necessitam. Ora, nós também precisamos disso (estar perto, ao lado dos filhos), mas não percebemos. Depois, temos de compensar nossa dissonância cognitiva de diversos modos, com presentes, justificações pessoais, assunção de teorias que nos confortam, por aí, vai.  Administramos com muita competência diversas coisas relacionadas aos filhos, como “quem vai cuidar de nossas crianças”, “o horário que vão fazer isso ou aquilo”, “o que vão comer e deixar de comer”, “durante o dia ligamos diversas vezes para saber como estão, o que foi feito, se tudo está em ordem” etc. Acostumamo-nos com tal realidade. Fazemos tudo isso com eficiência e zelo, porém, temos bastante dificuldade em sacrificarmos parte considerável de interesses e ideais inerentes a nossa própria pessoa[1], para estarmos “pele a pele”, “olho a olho”, “mente a mente”, “espírito a espírito” junto de nossas crianças.

Não há como negar que todos nós, homens e mulheres contemporâneos, há pelo menos 2/3 de século, estamos sendo criados e formados a partir de uma perspectiva pela qual o sucesso e a valorização pessoal se dão em virtude quase que exclusivamente em torno do desenvolvimento e da conquista de uma boa posição profissional, financeira e acadêmica. Casamento é coisa para mais tarde e filhos também, sendo encarados, inclusive, como atraso de vida ou percalço, em ocasiões em que chegam mais cedo.

Nesse arquétipo existencial, quando vem os filhos, não sabemos como nos portar, ficamos perdidos e o pior, olhamos para a realidade diária da infância (que nos impõe a responsabilidade de uma demanda física e mental incessante e integral) de maneira a acha-la pesada demais, uma carga impossível de suportar. Então delegamos o máximo que conseguimos a atenção e o cuidado DIRETO e INTENSO que nossos filhos naturalmente pleiteiam. Não conseguimos mais ver na constante e laboriosa lida diária o VALOR, a BELEZA, a NOBREZA e a PROFUNDIDADE que apresentam e sustentam na ordem do ser. A situação, poderia ser muito diferente, caso homens e mulheres recebessem desde cedo uma educação voltada prioritariamente para a família, pela qual seriam preparados adequadamente para vivenciar com mais consciência e leveza essa esplêndida vocação humana de ser pai e mãe. 

Portanto, o assunto em si levantado pelo Colégio retrata, de fato, uma verdade pulsante, uma preciosíssima “maçã de ouro”, que por seu conteúdo “redentor”, detém uma lição capaz de curar nossa cegueira espiritual e familiar, e, consequentemente, deveria estar sendo desesperadamente buscada por mães e pais conscientes que desejam o melhor para si mesmos, suas famílias e filhos.

No entanto, não foi esse o efeito gerado pela pretendida mensagem de Dia das Mães apresentada pela nobre Escola. Pelo contrário, o resultado foi o de repulsa, resistência, indignação e protesto.

Bem, há uma razão para esse desastre:

Maçãs de ouro, embora preciosas, são robustas e pesadas, de modo que para serem acolhidas e bem aproveitadas precisam ser cuidadosamente entregues em salvas de prata àqueles que delas se beneficiarão.

Ao serem arremessadas contra a cabeça das mães no dia delas, doeu, feriu, machucou, revoltou, enfureceu e desencadeou uma reação instintiva de pegá-las no chão e lançá-las ao longe.

Em bom otimismo, a esperança que fica é uma só, desdobrada em duas:

Em primeiro lugar, que alguma mãe, que esteve presente na festa, tenha conseguido se elevar racionalmente e espiritualmente ao ponto de deixar de lado o susto, a afronta e a dor do momento da apresentação e, mesmo com as dores do impacto, tenha pego a maça de ouro no chão e a levado para casa.

Em segundo lugar, que alguma mãe, que não esteve no dia da festa, esbarre despretensiosamente com uma das maçãs douradas lançadas longe, reconheça seu valor e queira também humilde e sinceramente levá-la para casa, para desfrutá-la com seus cônjuges, filhos e quantos mais desejarem compartilhar dessa riqueza.

T. Assinger. 

Nota: Este breve ensaio, que propõe a intersecção entre uma sabedoria bíblica atemporal (com seu ensino sobre riqueza e prudência nas palavras) e sua aplicação à realidade prática, foi desenvolvido a partir de notícias veiculadas pela imprensa em geral na semana compreendida entre os dias 11 a 17 de maio de 2025.

https://vejario.abril.com.br/cidade/apresentacao-dia-das-maes-colegio-maria-raythe-revolta/


[1] Interesses, objetivos e pretensões pessoais que se mostram claramente incompatíveis ou prejudiciais à sadia e real relação entre pais e filhos.

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