Psicoterapia para a vida digital: como apagar nossas lâmpadas mágicas

Foto: Cesira-Alvarado

Semana que passou, estivemos em uma emergência pediátrica repleta de crianças, pais e alguns avós. Nossa filhinha estava bastante gripada, mas graças a Deus já está bem. Ali ficamos tempo suficiente para uma observação: contemporaneamente não conseguimos mais esperar horas, minutos ou mesmo segundos sem que nossas mãos se apressem para puxar nossos celulares do bolso de trás da calça a fim de acariciá-los em um movimento de dedos sem fim e em uma imersão mental profunda. Todos viramos “gamers” submersos em uma condição de precária existência, pelo menos se considerarmos aquela sugerida pela natureza – a de um ser que foi projetado para um existir inteligente, singular e livre. Lembremos daqueles memoráveis joysticks dos anos 80/90, freneticamente impulsionados em sua maioria por crianças e adolescentes. Em 2024, não restam mais os Joysticks de outrora nas mãos inocentes e vulneráveis de crianças e adolescentes, mas celulares nas mãos de todos, simplesmente todos, numa faixa etária cujo início e o fim se antecipam e se estendem mais e mais. 

Naquele instante perceptivo, um curioso e intrigante “insight” sobreveio-me, o que me levou a propor mentalmente uma experiência “pra lá” de fantástica. 

Imaginei que à medida que esfregávamos nossos celulares com os dedos surgia, projetado no ar, numa espécie de “fumaça digital”, um gênio pessoal, como o da história de Aladdin, oferecendo-nos três pedidos para serem feitos e realizados. 

Sinceramente, não consegui vislumbrar a menor possibilidade de alguém ali perceber a projeção e o apelo do Gênio moderno e digital saído de seu celular, a não ser que sua aparição acontecesse no interior da tela do próprio aparelho pregado em mãos, em direção a qual os olhos de cada indivíduo se punham fixos, sem piscar. Muitos tinham deixado de perceber até mesmo os filhos e netos fragilizados por viroses, gripes e outras condições mais, que dirá um gênio que ousa escapar da centralidade da tela de sua vida ou do espelho de seu celular. 

Fui além! 

Não querendo deixar sem sentido e/ou função um gênio tão importante para a tradição literária mundial e para o nosso imaginário, bem como não podendo perder a oportunidade de ao menos tentar uma saída para aquela triste irrealidade humana, “arrisquei o impossível”, como dira Zizek: 

Olhei bem nos olhos do Gênio, momento em que deixei meu celular cair espatifado no chão, e realizei meus três pedidos. 

Pedi a ele, em primeiro lugar, que fizesse desaparecer como vapor que se esvai sem que percebamos todos os celulares do mundo presente, passado e futuro, mantendo, entretanto, sua memória nas mentes dos seus súditos, nós mesmos, eu e você. 

Em seguida, para aplacar a abstinência e a fissura deixada pela ausência da grande droga do século XXI, antes que começássemos a surtar de vez, pedi que o gênio substituísse a falta do aparelho mágico por experiências de belas paisagens, atividades e brincadeiras ao ar livre, relações intimamente humanas, reflexões profundas, significados existenciais e orações a Deus. 

Por derradeiro, pedi-lhe que restaurasse a liberdade e a escolha do ser humano para quaisquer intenções e fins que pretendesse seguir. 

Instantaneamente, vi retornar o status quo naquela sala de espera do hospital, de modo que todos os celulares ressurgiram nas mãos de cada um dos presentes ali, bem como de todas as pessoas do mundo inteiro, acredito.  

Após essa psicoterapia global por qual passamos, graças ao “gênio da lâmpada”, fiquei mais esperançoso, pois às crianças finalmente fora dado o direito de ver e sentir, muitos pela primeira vez, a beleza da vida e nós, jovens e adultos, pudemos relembrar o real sentido de nossa existência digna.

Às vezes, quando estamos muito distantes, um “sonho” ou uma “fantasia” podem nos despertar e nos incentivar a voltarmos para casa. Mas, sempre precisamos escolher o que queremos daqui para frente. 

Abs.

T. Assinger.

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